segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Capítulo 6

- CLÓVIS -

Eram duas e meia da manhã, a chuva fina que caía e o frio que fazia chegava a doer nos ossos.

Os bares na Altstadt começavam a fechar. Com esse tempo frio muita gente preferia ficar embaixo das cobertas.

O bailarino Clóvis entrou rapidamente no Mercedes prata que estava estacionado um pouco mais à frente do local onde ele fazia os seus shows.

O motorista do carro afastou-se rapidamente dali a fim de que ninguém pudesse vê-los. Mas quem os veria numa noite escura e fria?

Clóvis havia largado sua cidadezinha Lituânia e viera tentar a vida na Alemanha. Muito inteligente, logo aprendera o idioma. Alto e esquelético, cabelos louros cortados em estilo Chanel e olhos verdes fortes, lábios carnudos e vermelhos. Eles se conheceram há quatro meses atrás quando Clóvis fazia uma apresentação no Cabaret Gay’s in Love, local freqüentado por gays americanos que visitam a Alemanha. Klaus ficou fascinado e imediatamente quis conhecê-lo e desde então eles vêm tendo um caso.

Mas as coisas não estavam tão bem entre eles. Primeiro porque Klaus era rude demais e o bailarino era todo delicado e não gostava de brutalidades e segundo porque se apaixonara por um outro. Ele estava nesta noite disposto a colocar um ponto final nesse seu romance com Klaus.

Klaus tinha um presente para ele, uma corrente de ouro grossa. Os olhos do bailarino brilharam, mas recusou, não poderia aceitar. Clóvis percebeu que ele estava nesta noite particularmente amoroso e romântico.

Klaus apertou um botão no painel do seu carro e logo um portão automático se abriu e uma garagem subterrânea apareceu diante deles. Ele engrenou a primeira marcha e colocou o carro em movimento. Lá dentro estava muito escuro. Clóvis estremeceu quando sentiu que o carro descia por um elevador para dentro da terra. Ele nunca havia estado ali com Klaus.

-Onde estamos? - perguntou ele assustado?

-No paraíso. - respondeu Klaus. - Acalme-se.

Klaus o conduziu por um longo corredor sempre abraçado ao bailarino.

-Acho que você precisa é de uma bebida forte, você está tremendo. - Clóvis fez que sim com a cabeça.

Enquanto Klaus preparava a bebida, o bailarino observou o local. Ele não tinha a menor idéia de onde ele estava. O quarto estava na penumbra e era úmido. Havia uma parede enorme de vidro do lado direito do quarto onde ele estava, dando idéia de dois ambientes. Klaus entrou no quarto com dois copos de pura vodka nas mãos, era a bebida preferida de Clóvis.

Ele passou a mão pelo pescoço do bailarino e o puxou para um beijo o qual Clóvis retribuiu não com prazer como antes, mas com medo e pavor. Klaus passava agora as mãos pelos cabelos do bailarino e o puxou rudemente fazendo-o desequilibrar e num gemido de dor ele quase caiu de joelhos. Klaus pôde ver como o rosto de Clóvis estava pálido pelo medo, e isso lhe dava ainda mais prazer.

-Eu estou sabendo que você se envolveu com um americano, isso é verdade? - perguntou Klaus convidando-o com as mãos a sentar-se na cama. Clóvis tinha os olhos arregalados e mal podia mover-se, sua voz saiu como um gemido. Quando Klaus novamente o segurou fortemente pelos cabelos.

-Klaus por favor…

Seus olhos imploravam para que Klaus o soltasse. Seu hálito quente deixava Klaus excitado. Ele gostava quando as pessoas ficavam com medo dele. Clóvis viu que ele tinha numa das mão uma faca, ele gemeu de dor só de imaginar o que poderia lhe acontecer.

-Klaus… - gemeu novamente Clóvis. – Por favor…

Klaus sorria um sorriso enigmático que o pobre bailarino não podia definir. Com a ponta da faca ele foi abrindo os botões de sua blusa e depois a puxou de uma só vez mostrando o peito bem modelado pelo silicone implantado. Klaus o acariciou e o beijou numa fome enlouquecedora. Ele queria possuí-lo com toda a sua força. Com a outra mão Klaus abriu a saia que Clóvis vestia, a ponta da faca muito afiada ia rasgando o tecido grosso de inverno, logo depois cortou a calcinha que ele vestia e mostrou a nudez que tanto Klaus amava. Num só golpe Klaus fez o bailarino deitar-se e com uma das mãos ainda puxando-lhe os cabelos sussurrou-lhe ao ouvido:

-Você é meu, Clóvis. Abra a minha calça. - ordenou Klaus. - As mãos do bailarino tremiam, ele mal conseguia abrir o zíper.

-E agora me dê prazer.

Klaus fechou os olhos para se deliciar com o que ele recebia, mas ele podia sentir que o bailarino já não lhe dava prazer como antes e isso o encheu de cólera. Ele o esbofeteou com tamanha força, a dor que Clóvis sentia da bofetada recebida não se podia comparar com o que viria a seguir. Klaus estava furioso, pegou fortemente o pênis murcho e o saco de Clóvis e o apertou entre as suas mãos fortes. Clóvis gritou de dor e suas lágrimas rolaram pelos cantos dos olhos.

-Klaaaaus!!! - pediu ele sem fôlego, mas Klaus não o ouvia. Num só golpe ele cortou tanto o pênis quanto o saco de Clóvis. O bailarino mal pôde perceber o que estava acontecendo, pois desmaiou de dor.


- TEUSCHER -

Passava um pouco das 7 horas da manhã quando Teuscher ligou para o seu assistente pedindo-lhe que viesse o mais rápido possível para a Altstadt.

Isso vai ser um inferno para se resolver, vai ser uma bomba daquelas. E logo aqui na Altstadt, isto é; na parte antiga da cidade de Düsseldorf. Por que logo aqui tão central? - Pensava Teuscher coçando o seu cavanhaque.

A chuva fina e fria caía há mais de um mês sobre toda a Alemanha, e não havia previsão de melhoras.

Teuscher odiava o inverno. Qualquer notícia sobre o frio para ele soava pior que qualquer coisa, na verdade era um horror. Principalmente porque ele tinha que levantar-se muitas das vezes no melhor do seu sono. E tudo isso para quê? Para vir ver um morto. O vento frio que vinha direto do rio Reno era insuportável, ele penetrava em seus ossos deixando-o congelado.

Ele observou que por toda a margem do rio não havia quase ninguém por ali.

Algumas pessoas levavam os seus cachorros para passear, um bêbado empurrava um carrinho de mercado com todas as suas bugigangas para lá e para cá. Ele trazia embaixo do braço uma “Diebels” cerveja típica de Düsseldorf , e às vezes parava para tomar um gole. O homem vestia um macacão de brim, parecia que antigamente era na cor laranja mas agora estava sujo demais para se dizer com certeza. Ele cantarolava como se estivesse fazendo uma apresentação de Karaokê.

Teuscher sempre fora um bom observador, afinal, ele precisava ser bom naquilo que fazia. Ele também sabia perfeitamente que uma das coisas que mais o ajudava quando ele estava num caso era a sua sensibilidade. Ela era a sua grande amiga e companheira.

-Bom dia inspetor, desculpa o atraso, tem um engarrafamento de horas na auto-estrada.

-Eu ouvi qualquer coisa assim no rádio. Parece que um dos caminhões transportava ácido, não é?

-Isso mesmo, eles estavam até lavando a pista. Como andam as coisas por aqui? Vejo que o corpo ainda não foi retirado do local.

- Estamos ainda recolhendo as possíveis provas do assalto. Trata-se de um assalto bem estranho.

-Como assim?

-Venha, veja você mesmo.

O grupo de curiosos estava aumentando. As pessoas que se encontravam à beira do rio Reno, tentavam de alguma forma descobrir algo. Todos sabiam que um corpo havia sido encontrado. Uns imaginavam que louco teria se jogado no rio e cometido um suicídio. Mas que maneira mais horrível de morrer, diziam algumas pessoas, se ainda fosse verão, diziam outras querendo se conformar em suas explicações. Teuscher podia ver as luzes acesas do prédio. As pessoas lá dentro procuravam ter uma visão melhor dos fatos e mais confortante, se inteirar do ocorrido, mas acima de tudo, protegendo-se do frio.

- Quem sabe alguém lá de dentro do prédio viu alguma coisa. - falou Teuscher a Kling.

Teuscher pedia passagem entre os homens da polícia que estavam vasculhando toda a área. A polícia havia isolado o local do crime com fitas plásticas nas cores vermelha e branca.

-Eu nunca vi uma coisa dessas em toda a minha vida. Estou impressionado. Veja você mesmo com os seus próprios olhos Kling.

E dizendo assim Teuscher levantou o pano que cobria o corpo da vítima.

Kling não entendeu o porquê do espanto do inspetor. Na verdade se tratava de mais um assassinato pela cidade e isso era tudo o que ele podia ver. É claro que era triste saber que desta vez se tratava de uma mulher. Normalmente os assassinatos eram de homens, mas raramente de mulheres.

-Que maldade fizeram a esta pobre mulher?! O espantoso neste caso inspetor é que se trata de uma mulher de idade. Que interesse teria alguém em assassiná-la? Só pode ter sido assalto. Veja, cortaram-lhe os dedos das mãos, talvez ela trouxesse anéis de valor, o senhor sabe inspetor que mulheres em certa idade sao piores que árvore de natal para andar enfeitadas. Com certeza foi um assalto, ela deve ter reagido e eles a mataram.

-Pode ser, mas algo me diz que não é bem assim, não. Algo me diz que ela pode ser queima de arquivo.

-E por que, inspetor? - perguntou Kling.

-Porque lhe faltam os dedos. Ela não tem nenhum dedo. E fora disso, Igor já descobriu que ela não tem nenhum dente.

-Como é que é?

-Isso mesmo que você ouviu. Quando eu cheguei aqui, eu também pensei como você. Mas observe seu rosto, ele ainda está inchado. Igor acha que ela sofreu torturas antes de ser morta. Quem quer que seja que tenha cometido esse assassinato, sabia o que estava fazendo, pois não queria que a vítima fosse reconhecida e tampouco identificada. Então, enquanto eu te esperava comecei a me perguntar: O que será que aconteceu?

-Quem encontrou o corpo, inspetor?

-Foi um jovem que faz Cooper todas às manhas aqui à beira do rio. Disse ele que quando viu o corpo enrolado no casaco de inverno, ele achou que se tratava de um bêbado dormindo. Mas quando uma hora depois ele voltava da sua corrida ele achou estranho que o corpo ainda estava na mesma posição. Entao ele resolveu se aproximar e quando desvirou o corpo, viu que se tratava de um cadáver. Ele está em estado de choque com o que viu, pois ele ainda é muito jovem e a morte não faze parte da juventude.

Neste momento o celular de Teuscher tocou.

-Um momento Kling. - pediu ele. - Sim, Teuscher falando. Robert, há quanto tempo. O que você manda amigão?

Teuscher parou para ouvir o que o seu velho amigo holandês lhe dizia ao telefone. Eles freqüentaram a mesma escola quando criança, eles tinham o sonho de se tornarem policiais. Depois por causa de suas famílias eles se separaram, pois o pai de Robert voltou para a Holanda.

Robert mais tarde foi trabalhar para a Interpol e Teuscher ingressou mesmo para a polícia. Os dois trabalharam juntos em alguns casos internacionais e a amizade entre eles sempre falou mais alto. Quando Robert tinha uma boa dica para ele, lhe telefonava e lhe passava algumas informações. Robert tinha mais casos de homicídio dentro da Europa para cuidar do que Teuscher, pois ele havia se especializado em casos internacionais. Mas mesmo assim eles estavam sempre trocando idéias e Robert muitas das vezes vinha até a Alemanha passar o fim de semana com o amigo, pois sendo solteiro, nas horas de folga ele gostava de visitá-lo.

Instantes depois, Teuscher retornava. Ele simplesmente havia perdido a cor do rosto e dos lábios, ele estava pálido. Kling percebeu que o inspetor agia diferente, mas não por causa do frio que fazia à beira do rio. Alguma coisa lhe dizia que o velho Teuscher não estava nada bem.

-O que foi chefe? - Perguntou Kling ao perceber que a velha raposa tinha agora um aspecto bem diferente, ele estava pálido, quase esverdeado.

-Outros corpos nas mesmas características foram encontrados em outras partes da Europa.

-Como é quê é? Mas o que é isso?

-Fale baixo. - ordenou Teuscher e continuou. - Um em Basel, na Suíça, também às margens do rio, o outro em Den Haag, na Holanda, também fora encontrado perto do mar, o outro em Linz, na Áustria, às margens do rio Danúbio e o outro aqui na Alemanha. Que relação entre si teriam todos esses corpos? E por que todos haviam sido despachados à beira de um rio? Essa era a pergunta que Teuscher se fazia no momento.

Robert queria saber se um caso idêntico tinha aparecido na Alemanha também e se por acaso isso acontecesse que ele deveria ser informado imediatamente, é que a Interpol estava tomando conta de tudo e ele deveria passar qualquer informação para eles. Nenhuma palavra sobre o caso deveria vazar, tudo deveria ser tratado em total sigilo, pois eles começavam a desconfiar que esses assassinatos pudessem pertencer a uma mesma rede de espionagem.

- Eu pedi a Robert que maiores informações sobre as outras mortes me fosse enviadas.

-Alguma coisa foi achada com a morta, inspetor?

Teuscher não precisou lhe responder, pois Igor o chamou enquanto retirava a luva plástica que cobria suas mãos.

- Já vou liberar o corpo para ser levado para o Instituto Médico Legal. Mas antes quero que vocês vejam uma coisa que acabei de descobrir.

- E o que você acha, foi mesmo um assalto? - perguntou Teuscher.

- Isso pode ter sido tudo, menos um assalto meu amigo.

- Como assim? - perguntou Teuscher.

- Venha comigo e veja você mesmo antes que levem o corpo.

Igor se aproximou do corpo e abriu os botões da blusa que fechava a parte de cima do peito e mostrou-lhe um busto jovem.

- E agora o que é que você me diz? - perguntou Igor.

- Não estou entendendo nada. - respondeu Teuscher fazendo cara de espanto com o que via.

- Nem eu, mas pretendo descobrir o que é isso. Ela tem o rosto e as mãos envelhecidas como se tivesse 80 anos. Mas todo o restante do corpo pelo que pude ver rapidamente é tão jovem quanto a minha filha de 21.

- Não posso acreditar!!!

- Foi exatamente o que eu pensei quando vi esse monstro na minha frente.

- Vamos ter como identificar a vítima? - perguntou Teuscher numa esperança remota.

- Não te dou muitas esperanças não. Vamos ter muito trabalho com esse caso, meu amigo.

- Você acha que eles fizeram tudo isso enquanto ela estava viva?

- Pode até ser...

- O que te leva a pensar assim, Igor?

- É que ela ainda tem os dedos inchados e as gengivas também. Com certeza sofreu muito antes de morrer. Eu não gostaria nada de ter estado no lugar dela, Teuscher.

- Que barbaridade, - disse Kling que até agora se mantivera calado.

- Eu vou precisar de um perito para me ajudar na arcada dentária. Vou providenciar um, assim que chegar ao Instituto. - informou Igor.

- Eu quero saber a causa mortis. - Pediu Teuscher pensativo.

- Isso ainda não é tudo meu amigo. O casaco que cobria o corpo tem uma etiqueta com um nome bem conhecido por todos nós.

- Quem? - perguntou Teuscher curioso.

- Benjamin Hallmann. O que é que você acha, amigão?

- Mas o quê o casaco de um homem que tem a reputação que ele tem, estaria fazendo com esta mulher? - perguntou Kling

- É o que nós vamos ter que descobrir, inspetor. - falou Teuscher. - Não foi o pai dele que morreu num acidente de carro há poucos meses?

- Freddy Hallmann, o senhor quer dizer. Há uns seis meses mais ou menos, se não me falha a memória, inspetor.

- Estranho! Muito estranho!!! Eu pretendo ainda hoje passar na redação do jornal, eu gostaria que você viesse comigo, Kling.

- D’accord!

Teuscher e Kling ficaram observando os policiais que foram encarregados de transportar o corpo da vítima. Eles primeiro a envolveram em um saco plástico preto com zíper na frente facilitando assim tanto a entrada como a retirada do corpo, depois etiquetaram o saco e lacraram tudo e só então é que eles colocaram o corpo dentro de uma urna para ser transportado.

Tudo isso tinha acontecido ali em sua cidade maravilhosa, debaixo do seu nariz, em frente ao rio Reno, em frente ao número 7 de um edifício muito antigo com a frente moldada em leões de pedras que pousavam triunfantes em sua fachada.

******

- ARTHUR -

Arthur estava sentado na cadeira que pertenceu a Gabriella na redação do jornal. Ele estava com seus pensamentos voltados para quatro anos atrás mais ou menos quando ela ainda trabalhava ali com ele e Ben. Um passado que ele sabia que não poderia mais voltar. E nada mais seria como antes.

Ben havia chegado ao escritório naquela manhã com a cabeça cheia e quente por causa das brigas que ele vinha tendo com Steffany. Ele estava insistindo no divórcio com ela.

-O que aconteceu? Você não está bem?

-Estou pensando como a minha vida é uma merda. - desabafou ele.

-Iiih! Já sei. Você acordou hoje naqueles dias!

-Não se trata disso Arthur, você sabe.

-Steffi.

-Exatamente. Ela tem o poder de me irritar com suas provocações, eu já não agüento mais, quero a minha liberdade para poder amar quem eu quiser.

-Amar quem você quiser? Se bem eu sei o seu coração já tem dono. Chama-se Gabriella. - falara Arthur bem baixinho e olhando a sua volta para se certificar de que ninguém estaria ouvindo aquela revelação.

Ben olhou para Arthur sério. É claro que Arthur sabia de tudo o que se passava com ele. Arthur o aconselhou a deixar toda essa história de lado, pois conhecendo Steffany como ele a conhecia, ela jamais lhe daria o divórcio e por outro lado ainda seria capaz de destruir a carreira da moça.

Ben sabia que ela seria capaz disso, por isso nunca disse nada a Gabriella. Nunca teve coragem de declarar o seu amor a ela.

Ele conhecia a mulher que tinha, ela era vingativa e não admitiria perder para ninguém. Principalmente para uma mulher inteligente e maravilhosa como Gabriella é.

Mas esconder os seus sentimentos estava se tornando muito difícil, ele percebia também que o mesmo estava acontecendo com Gabriella, sabia que a agradava e embora ela tentasse disfarçar, ele já tinha percebido. Ele se sentia motivado por esse sentimento, estava mais dinâmico, mais enérgico, o mundo a sua volta de repente ficou colorido. Descobrir-se apaixonado por ela dera-lhe outro rumo na vida. Ele agora tinha um motivo para viver, para trabalhar, para sorrir, para cantar enquanto fazia a barba no banheiro todas as manhãs antes de ir para o escritório. Ben se sentiu acordando para a vida, para o prazer de viver.

Era tão bom saber que ele era um homem perfeitamente normal como todos os outros homens. Que também era capaz de amar, o que antes em sua vida nunca tinha acontecido. Ele a queria para ele, queria tê-la nos braços para amá-la.

Arthur se lembrava bem como Gabriella havia mudado a sua maneira de vestir para atrair os olhares e elogios de Ben a cada dia.

É claro que ela era acima de tudo uma excelente profissional e toda a redação respeitava o trabalho dela. Ben por outro lado a ajudava em tudo, dando-lhe muitas dicas o que os aproximava ainda mais. Muitas foram às vezes que ele riu de vê-los discutir pontos de vistas tão diferentes e de como ficava vermelha quando Ben a encurralava em um canto com uma pergunta mais afiada, mas ela se saía muito bem dizendo que o seu instinto de italiana lhe dizia que caminho deveria seguir, e era impressionante como funcionava.

Arthur sabia que Ben podia contar com ela para muitos momentos difíceis dentro da redação. Ele não poderia permitir que essa paixão desenfreada dos dois ultrapassasse as quatros paredes daquela sala, se é que alguém na redação já não havia percebido. O maior problema era que Steffany tinha cúmplices por toda a parte e nada garantia de que ela já não o soubesse.

Certa noite porém quando Gabriella resolveu trabalhar até mais tarde para terminar a revisão de um artigo, Arthur bateu em sua porta. Ele era o melhor amigo que alguém poderia ter, pensava Gabriella muitas vezes.

Era ele quem quebrava a monotonia de alguns dos seus fins de semana. Era com ele que ela saía para não pensar vinte e quatro horas em Ben. Arthur era uma companhia fantástica. Ele gostava de cinema, teatro, de comer pipoca e beber coca cola, como bom americano que era.

Era com ele que ela corria nos fins de semana pelos jardins da cidade e quando não, andavam de bicicleta. Arthur não apresentava a idade que tinha, ele era jovem por dentro e por fora e o seu porte atlético chamava atenção. Ele gostava de fazer caminhadas pelas montanhas, suas pernas e braços eram musculosos. Ele é o que se pode chamar realmente um americano como os artistas em Hollywood. Mas muito mais velho para que eles pudessem ter alguma coisa. Por outro lado o sentimento que os unia era de pai e filha.

Na verdade, quando Gabriella foi trabalhar no jornal ele a adotou e ela gostou disso.

E naquela noite ele entrara em sua sala e dissera-lhe que precisava falar algo muito importante e que tudo o que ele dissesse, ele não gostaria de ser mal interpretado e de perder a amizade dela . Gabriella sorriu só de imaginar o que poderia ser. Arthur se lembrava de todos os pormenores daquela noite.

-Já sei Arthur, você quer saber se eu já terminei para podermos jantar. Te digo que não, mas que posso fazer uma pausa, posso fazer esse sacrifício de jantar com você. - ela sorriu ingenuamente.

-Não se trata disso, hoje o caso é sério e temos um problema de verdade pela frente.

Arthur puxou uma cadeira e sentou-se diante dela e então começou a dizer-lhe que ela estava pisando em terreno perigoso, que ele já havia notado o interesse dela por Ben. Que ele não tinha nada com isso é claro, pois a vida era dela, mas ele a considerava como uma filha, por isso estava ali. Por outro lado, não só ele já havia percebido como outras pessoas no jornal também, jogou com as palavras, e continuou dizendo que os comentários não eram nada bons.

Gabriella explodiu é claro, seu sangue italiano ferveu-lhe nas veias.

-Mas nós não temos nada, nunca aconteceu nada entre nós.

-Por enquanto nada aconteceu, não é mesmo Gabriella? - falou ele olhando diretamente nos olhos dela e continuou.- E também não precisa acontecer nada entre as pessoas para que outros percebam. Tome cuidado, eu não quero que você saia machucada nessa história. Eu pensei que você iria preferir saber por mim do que ouvir tudo isso pelos corredores da repartição do jornal.

-As pessoas são muito maldosas.

-Não queira enganar-se a si própria, você já não consegue mais esconder os seus sentimentos por Ben. No começo eu achei que era apenas um entusiasmo passageiro porque você estava deslumbrada com tudo isso aqui. Mas estou vendo que não é bem assim não. A coisa está esquentando para o seu lado e você precisa fazer alguma coisa contra isso. E também não se esqueça de que Ben é um homem casado e que se tratando de Steffany é melhor não facilitar. Você poderá sair muito machucada nessa história. Pense também em sua carreira. - falou ele se acalmando. - Você está começando agora e ficar marcada como “aquela que se envolve com o dono do jornal”? Essa não é lá uma fama muito boa de se levar.

Gabriella olhava nos olhos de Arthur e prendia as lágrimas para que elas não rolassem. Mas ela nao agüentou e se deixou cair nas costas da cadeira, ela parecia exausta.

-Você tem toda razão. - confessou ela para alívio dele.- Pra você não posso mentir, Arthur, eu estou mesmo apaixonada por Ben e não sei o que fazer. Tudo o que eu sei é que isso não é correto e nem leal da minha parte, eu me cobro isso a todo o instante, mas não consigo me controlar. Pra dizer a verdade eu não sei o que fazer, tenho vontade de chorar todas às vezes que penso nisso, me sinto cansada de carregar comigo esse sentimento.

-O que você me aconselharia a fazer, Arthur? - perguntou ela embora já conhecesse a resposta.

-Eu já te falei que você tem um futuro brilhante pela frente, menina. Você terá sucesso em qualquer outro lugar, em qualquer outra revista, até mesmo na lua se te enviassem para lá. O contato do dia a dia é muito perigoso para você e para Ben, isso a destruiria profissionalmente e por outro lado não é justo que vocês dois se torturem dessa maneira. O melhor que você tem a fazer é aceitar o convite da concorrência.

E colocou diante dela uma carta onde a convidavam para trabalhar numa outra revista.

-Mas isso Ben nunca iria me perdoar, seria uma traição muito grande de minha parte depois de tudo o que ele me ensinou. Não Arthur, isso eu não posso fazer.

-Pode, e é o que você vai fazer se tiver juízo e não quiser estragar tudo. Deixa que eu cuido de aliviar o seu lado com Ben.

-Ó Arthur isso é cruel demais comigo! Vai ser cruel demais também com Ben.

- Eu sei menina, mas é para o seu bem, pense que é para o bem dele também. Procure o seu caminho enquanto você ainda pode caminhar de cabeça erguida. A vida é dura e má e não perdoa os nossos erros de juventude e eu não vou querer que ninguém te faça mal. - falou Arthur sem que Gabriella pudesse entender realmente a profundidade daquelas palavras. - Se um dia Ben ficar livre.- continuou Arthur.- então não haverá nada que impeça vocês dois de viverem um grande amor. Mas no momento isso seria ruim para vocês dois, me acredite.

Agora Arthur a abraçava, exatamente como seu pai fazia quando ela tremia de medo.

-Escreva sua carta de demissão, tire férias, eu mesmo vou entregá-la a Ben e fazer com que ele aceite o seu pedido. Você é uma mulher forte eu sei, e vai sobreviver a tudo isso, eu estarei sempre ao seu lado.

Quando você chegar de férias me telefone, eu já terei arranjado tudo com meu amigo na revista Lotus.

Arthur acompanhou passo a passo o sofrimento de Ben. O quanto ele se abateu e se deixou levar pela dor. Ele culpava a todos pela demissão dela, ele ficou insuportável.

Arthur ouviu incansavelmente os pedidos dele para procurar por ela. Muitas foram às noites em que ele, bêbado, tocou de madrugada a campainha do apartamento de Arthur e mal ele abria a porta e Ben caía em seus braços. Uma dor grande cortava o peito de Arthur ao vê-lo assim, pois ele se achava culpado pelo sofrimento de Ben. Talvez ele não devesse ter se metido, mas ele sabia o que Steffany seria capaz de fazer se ela descobrisse a verdade. Nesses momentos ele tomava Ben nos braços e o levava para debaixo do chuveiro, depois lhe dava um café forte e amargo e o colocava para dormir.

Muitas vezes, ele viu Ben sair da repartição do jornal e caminhar pelas ruas da cidade e sentar-se em qualquer banco e lá ficar horas imóvel olhando cada rosto que passava a sua frente tentando achar a sua Gabriella.

Ben já nem via mais como a sua cidade era bonita. O rio Reno com suas belas curvas contornando a cidade dando-lhe um charme todo especial. A Königsallee com lojas elegantes onde belas mulheres a visitam todos os dias. A beleza das vitrines decoradas em vermelho e dourado. As lojas de jóias ostentando o brilho dos diamantes e os relógios famosos do mundo.

Os estudantes de música tocam seus instrumentos pelas ruas da cidade.

São 600 metros de pura beleza e magia que agrupam nas calçadas e terraços os cafés com suas tortas deliciosas. Os restaurantes famosos e as casas de cervejaria abrem as suas portas dia e noite. Muitas foram às vezes em que Ben visitou esses bares, às vezes bebia Whisky, Rum, Vodka, Caipirinha, mas nunca tomava Tequila, ele tinha os seus motivos para sequer ouvir esse nome em sua frente. Quando ele ainda não estava bêbado, ele caminhava por uma das passarelas à beira do rio Reno. Outras vezes sentava-se nos bancos do Hofgarten e desejava ser um daqueles mendigos que dormiam por ali embaixo do viaduto. Ben pensava que com certeza eles eram mais felizes que ele, pois tinham a liberdade de ir e vir quando quisessem e de ser eles mesmos.

Arthur recordava-se agora como o destino resolveu uní-los novamente. Quando Ben foi à Freiburg para uma entrevista pessoal com um grande amigo seu e lá o destino os aproximou novamente. Não havia nada marcado. Ninguém sabia de nada. Apenas o destino.

Até que naquela noite fatídica onde ele desesperadamente telefonou para Markus Krämer pedindo-lhe ajuda. Senão Klaus iria matá-la. Ele precisava fazer algo, ela era a sua filha.

Ben entrou porta a dentro da antiga sala de Gabriella onde Arthur se encontrava.

-O que você está fazendo aqui? Eu estou te procurando pelo prédio inteiro, você se esqueceu que temos uma reunião importante?

Arthur ainda estava absorto em seus pensamentos.

-Me desculpe Ben, eu me esqueci totalmente. Já estou a caminho.

Ele ficou observando Ben fechando a porta e saindo.