segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Capítulo 16

JUSTIN HALLMANN

-Arthur, onde é o laboratório do meu pai?

-Não está longe daqui. Pra dizer a verdade, o laboratório está embaixo dos nossos pés.

-Como assim?

-Foi seu tataravô quem deu início a essa construção faraônica, como você bem sabe.

-É, eu sei, ele tinha uma idéia louca na cabeça: construir algo descomunal para o seu tempo. Dizia que queria não só entrar para a história de sua cidade, mas também fazer história. Imagine mais de cento e cinquenta anos atrás, alguém pensar em construir não só um arranha céus para aquela época como um prédio que abrangesse todo um quarteirão - comentou Ben.

-Ele foi considerado um louco para aquela época, imagina um jovem de 23 anos iniciar tudo isso? Foi demais para as cabeças daquelas pessoas que apenas um homem desse início a esse movimento, de construir um prédio desse quilate e bancar tudo financeiramente falando. Ele era um homem que gostava de desafiar o mundo em que vivia. Seu avô o achava fascinante, ele não se cansava de contar as histórias da família e de como esse império dos Hallmanns havia começado.

-Eu até acho que essa força e agitação que meu pai tinha, essa busca pelo desconhecido, essa coisa de desafiar tudo e todos, vinha do meu tataravô. - comentou Ben lembrando-se do pai.

-Justin era um apaixonado pela arquitetura, por prédios mirabolantes, por tudo que sobressaísse aos olhos e que desafiasse o mundo dos seres vivos. Dizia o seu pai que o seu bisavô contava que ele sonhava com esse tipo de coisa e acordava no meio da noite, pegava um pedaço de papel e desenhava o que ele havia sonhado e dizia: eu vou fazer isso, eu vou construir isso. Ele era desse jeito.

-Por isso, ele com alguns engenheiros e arquitetos que havia naquela época, decidiram construir um prédio que ficasse na história da cidade. A primeira grande idéia veio a de se fazer um prédio com uma câmara secreta, assim como os egípcios tinham o seu refúgio secreto cheio de portas falsas, como as pirâmides com seus andares secretos, meu tataravô queria algo assim. Muito louco, não? - Ben sorriu.

-Ele dizia que a Alemanha já tinha castelos demais e que ela precisava mesmo era de prédios altos que atingissem os céus e o mais profundos que se pudesse construir. Caso houvesse uma catástrofe no mundo, ele com toda a família e amigos poderiam se refugiar no subsolo do prédio. - falou Arthur. - E então eles pensaram em fazer o prédio com um grande subterrâneo, com saídas de emergências com portas grossas e pesadas que fechariam cada corredor separadamente para dar maior segurança.

-A segunda grande coisa que eles pensaram foi na idéia de um elevador. Imagine o escândalo que deve ter sido para aquela época. O povo com certeza o chamou de louco.

-Com certeza. A princípio eles o chamaram de quarto móvel. Sendo assim esse quarto móvel os levariam para qualquer andar da nova construção que eles desejassem. Foi realmente um grande desafio para ele. Os jornais daquela época não o perdoaram, eles diziam que o prédio viria abaixo depois de pronto e o taxaram de maluco. Realmente foi uma obra gigantesca e que custou todo o dinheiro que ele tinha herdado da família. Como a construção teve muitos problemas financeiros, seus cofres não suportaram e ele abriu falência. Mas diziam que ele não havia perdido as esperanças. Por outro lado, as pessoas de dinheiro daquela época se dividiam em opiniões, umas queriam apoiá-lo outras não. Tudo porque os jornais maldosamente o taxaram de louco do século e com isso faltou dinheiro.

-Pelo que eu também sei, ele ficou a pão e água, não é mesmo? Tudo para levar a cabo a proeza de um sonho. Acho que não existem mais pessoas assim hoje em dia - comentou Ben, com um desejo enorme de ter vivido aqueles dias ao lado do seu tataravô.

-E, no entanto, o prédio sobreviveu às duas Guerras Mundiais. Mesmo tendo que passar por uma dura reforma na época do seu pai.

Sim, ele deu tudo para a construção desse prédio. Os grandes empresários da época, juntamente com os duques, embaixadores e toda a society queriam estar envolvidos com essa engenhosidade. Mas eles temiam o desafio, eles tinham medo de ficar pobres como ele. Certa ocasião, depois que ele assistiu as corridas de cavalos onde dizem que ele havia apostado os últimos níqueis do bolso. Toda a alta sociedade se encontrou depois num restaurante na Königsallee. Lugar chique onde só a camada que tinha muito dinheiro para esbanjar ia para lá. Um deles o convidou para fazer parte dos bons, como eles mesmos se denominavam.

-Ali, naquela tarde ele conheceu a minha tataravó por quem ficou imediatamente apaixonado, mas nas circunstâncias em que ele vivia no momento ele nem sequer podia pensar em tal coisa. - comentou Ben tentando comparar o amor dele e de Gabriella.

- É, Ben, sua família tem história.

-E que mulher encantadora ela deve ter sido, para deixá-lo tão fascinado.

-Pelo que se sabe ele não conseguiu desvencilhar-se do seu olhar tão penetrante, do seu sorriso tão cheio de luz e cheio de vida. Por causa do fascínio que ele estava vivendo naquela noite, ele pouco falou e pouco comentou sobre o seu empreendimento. Foi quando um deles já tocado pelo álcool resolveu fazer um desafio a Justin.

-De que se o prédio sobrevivesse o primeiro ano depois de inaugurado, ele cobriria todas as despesas. Mas um outro desafiou-o ainda mais, rindo, também já bêbado pelo álcool, de que até lá ele precisaria sobreviver e então ele se propunha a desembolsar todos os meses uma pequena mesada, pois ele sabia que Justin estava completamente liso. E ria sem controle. Justin Hallmann, não dizia nada, embevecido pela beleza de Anne Marie. Ele tomava a sua cerveja calmamente sem nada dizer. Não, nada disso, disse um outro. Se Justin estiver de acordo vamos fazer dele o nosso sócio - completou Ben envaidecido e emocionado.

-Com certeza deve ter sido um horror para Justin esse desafio. - Houve um silêncio entre eles.

-É, mas um outro levantou um brinde ao meu tataravó dizendo que ele tinha construído uma obra prima, uma engenhosidade que todos eles gostariam de ter feito, mas que na verdade não eram loucos o suficiente. Se queremos o nosso nome neste grande colosso que logo, logo estará pronto, temos que fazer uma sociedade com Justin. - Anne Marie estava orgulhosa com o que o seu pai dissera.

-É por isso que no Hall da entrada aqui no prédio existe até hoje uma placa de bronze onde estão esculpida todos os nomes daqueles que patrocinaram o restante dessa loucura do seu tataravô. Isso em 1839- disse Arthur.

-E eu, quando era criança gostava de ficar lendo esses nomes. - comentou Ben.

-Pelo que eu sei, houve muita discussão sobre as propostas feitas a seu tataravô, mas Justin não conseguiu ouvir nada e nunca soube contar com clareza como tudo se deu realmente, pois dizia ele que Anne Marie não parava de sorrir para ele.

-Posso imaginar. Que lindo que deve ter sido aquele dia pra ele.

-No final todos acabaram concordando com a idéia maluca de que eles precisavam se tornar sócios de Justin e ali mesmo o pai de Anne Marie pediu papel e caneta para redigir um contrato com testemunhas e tudo.

-E as testemunhas foram o dono do restaurante e outros magnatas que estavam ali naquela tarde. Que coisa mais louca! - comentou Ben.

-Logo depois ele se casou com Anne Marie. O pai dela tinha uma rede de jornais e ela foi praticamente a primeira jornalista desta cidade.

-A mesma rede de jornais que antes havia escrito que Justin Hallmann construía um “elefante branco”! Mas que por causa dos sentimentos da única filha que ele tinha, havia decidido fazer diferente a partir daquela noite. - falou Arthur. - Depois que eles se casaram, trabalharam juntos arduamente no jornal, o que Justin gostou muito, mas mesmo assim nunca deixou as suas idéias mirabolantes. Pois, como agora o dinheiro não era mais um problema, ele saiu comprando muitas terras no centro de Düsseldorf e construindo prédios. Até que o seu bisavô nasceu e para tristeza de Justin logo após o parto a sua amada morreu. Sua dor foi imensa e com isso ele sentiu necessidades de ficar ocupado para não pensar mais nela e assim ele aprimorou o subterrâneo e comprou mais terrenos vazios que ligariam esse prédio até a outra rua detrás.

-Ele fez túneis que existem até hoje e que sobreviveram às duas grandes guerras. Justin não sabia mais se deveria se dedicar ao jornal, ou à construção ou a compras de terrenos. Ele não se sentia mais jovem e cheio de forças para essas proezas e como Willi seu filho, tinha uma grande inclinação para o jornalismo, Justin resolveu ensinar tudo o que ele sabia.

Willi trabalhou toda a sua vida no jornal e acabou se casando com uma moça que trabalhava nas dependências da gráfica. Foi Willi também quem teve a feliz idéia de transportar o jornal e a gráfica para este prédio, primeiro porque eles precisavam de mais espaço, pois o jornal crescia e também porque ele não sabia muito bem o que fazer com tantas salas vazias. Ele foi comprando as outras partes dos sócios à medida que os sócios iam desistindo da sociedade. Ele era muito inteligente e a gráfica expandiu na impressão de livros, revistas de moda, revista sobre cavalos, enfim uma infinidade delas.

-Eles tiveram 3 filhos, duas filhas e um filho, mas infelizmente tanto as meninas quanto Willi vieram a falecer pelo surto de tuberculose que invadiu a Europa naquela época. A esposa de Willi que sempre havia trabalhado no jornal, arregaçou ainda mais as mangas e trabalhou arduamente, e, obviamente ela ensinou tudo para o único filho que lhe restara e que também deu continuidade a este colosso que é este prédio.

-Freddy me contava que o pai dele Thomas, no período da guerra escondeu muitos fugitivos aqui e que a redação do jornal muitas vezes fora invadida pelos soldados, pois sempre havia alguém para denunciar. Freddy dizia que eles nunca descobririam a passagem subterrânea que este prédio tem. Mas o medo era uma constante entre eles. Seu pai nessa época deveria ter uns 11 anos, mais ou menos. Seu avô, Thomas Hallmann, trabalhou incansável durante os anos da guerra trazendo alimentos para as pessoas que viviam no subterrâneo e ele muitas vezes chorou porque não pôde abrigar mais pessoas, pois o risco era muito grande. Seu avô já tinha idade quando começou novamente a erguer o prédio após a guerra. Ele era um homem forte e cheio de coragem. Depois da guerra, toda essa gente que estava escondida no subterrâneo, trabalhou para ele agradecida. E o prédio se tornou esse monumento graças ao trabalho belíssimo que essa gente fez. Sua avó muitas vezes vinha com o seu pai para a redação. Ela o ajudava em tudo, era o braço direito dele, tanto é que quando ele morreu, ela conseguiu praticamente sozinha levar o jornal a uma altura tão boa que conquistou o respeito dos leitores da época e num período muito difícil do pós-guerra.

-Imagina só que a maioria da história da nossa família foi levada adiante pelas mulheres.

-É verdade Ben. Sua avó mandou Freddy para os Estados Unidos para a casa de sua irmã, minha mãe para estudar jornalismo. Minha mãe nunca quis saber de viver na Alemanha principalmente porque ela se casou com um americano. Ela tinha um certo receio de vir, porque os americanos ganharam a guerra e foi uma pena que elas nunca mais se encontraram.

-Não posso negar que a minha família lutou muito para chegar aonde eles chegaram.

-Isso é uma verdade, Ben.

-Arthur, me leve até ao subterrâneo. Por que é que o meu pai nunca me falou dele?

-Porque ele contou para Georg. Era com ele que Freddy fazia as transações e não com você.

-Ele sempre confiou no Georg.

-É, mas não até o final Ben, e Georg percebeu que ele havia perdido o lugar dele de confiança junto a Freddy.

-Como se chega até ao subterrâneo? - insistia Ben curioso.

-Tudo muito simples, pelo elevador de serviço.

-Mas como pode ser isso? Pois o elevador só vai até a garagem subterrânea lá eu conheço tudo e muito bem.

-Você conhece até o primeiro andar da garagem subterrânea. Venha, vou te mostrar como se chega até lá.

Quando eles chegaram no andar da garagem subterrânea, Arthur pegou do seu chaveiro uma chave que mais parecia a chave que abria a redação do jornal e a enfiou num orifício destinado a chaves dentro do elevador. Ele a girou duas vezes em sentido anti-horário e depois apertou o número dois e assim o elevador começou a descer para espanto de Ben. Ele não podia acreditar no que os olhos dele estavam vendo.

-Mas como se dá isso?

-Exatamente como você viu.

-Mas o risco é muito grande, pois muitas outras pessoas aqui na redação têm também chaves que abrem o prédio e qualquer um poderia experimentá-la.

-Não qualquer um, Ben, somente algumas chaves foram elaboradas com essa função. Idéia de Freddy, e diga-se, por sinal, muito boa. Como muita gente podia conhecer a história dos familiares que sobreviveram à guerra ajudados por seu avô, Freddy teve receio de que algum dia alguém poderia chegar e chantageá-lo de alguma forma. Por medidas de segurança ele mandou fazer as chaves diferentes que combinadas na fechadura faria com que o elevador descesse até o subterrâneo. E por outro lado, as chaves têm códigos.

-E como do lado de fora ninguém nunca percebeu nada? É, porque eu nunca percebi nada. E com certeza vocês muitas vezes se encontraram no subterrâneo enquanto todos nós ainda trabalhávamos aqui no jornal.

-Do lado de fora os controles do elevador continuam mostrando que ele está em qualquer outro andar e fora disso há outros elevadores no prédio que sempre chegam e levam as pessoas para cima e para baixo sem despertar nenhuma suspeita.

-É por isso que muitas vezes eu me cansava de ficar esperando por esse elevador.

-Exatamente, pois somente este desce até ao subterrâneo. Freddy também mandou construir uma chave que ele a chamou de Chave Mestra.

-E o que isso significa?

-Que com essa chave mestra se abre tudo, não só no subterrâneo como o prédio inteiro.

-E quem tem essa chave mestra? Aposto que Georg a tem - perguntou Ben, já respondendo.

-Não, Freddy a deixou para você.

Ben ficou emocionado ao ouvir as palavras de Arthur. Ben estava de queixo caído com a engenhosidade de tudo ali embaixo. Era moderno, bem iluminado para ser simplesmente um subterrâneo. Ele se sentiu como se ele estivesse em corredores de hospitais. Tudo bem amplo, com janelas de vidro distribuídas através dos corredores, salas computadorizadas, com camas como se estivessem esperando os pacientes. Na verdade ali não faltava nada. Era um mundo perfeito.

No laboratório, Ben não podia acreditar na riqueza de tubos de experiências, de aparelhos super modernos que ali estavam alojados. Arthur o conduziu a cada sala, era um mundo fascinante aquele ali embaixo, e tudo debaixo do seu próprio nariz. Era inimaginável que cientistas famosos trabalharam para o seu pai, sem que ninguém percebesse o que ali estava acontecendo e que tantas pessoas por causa disso já morreram e que agora ele mesmo estava sendo vítima de toda essa trama. Ele mal podia acreditar.

Arthur ainda o conduziu para as saídas de emergências que dão para outras ruas, tudo muito bem feito e tudo muito bem elaborado.

-Não me surpreendo porque Steffany e Georg decidiram que ninguém mais, a não ser eles, deveriam conhecer o segredo do subterrâneo e tudo o que por aqui aconteceu. É algo estarrecedor! Arthur, você não tem idéia de onde o meu pai poderia ter escondido esses dados?

-Você acha que se eu soubesse, já não teria evitado que você se envolvesse nisso tudo?

-Mas eles existem de fato ou meu pai blefou mais uma vez?

-Infelizmente eles existem Ben.