segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Capítulo 9

- KLING -

Kling é o mais novo assistente da equipe de Teuscher. É um rapaz esperto e cheio de vida. Teuscher gosta de tudo como ele faz porque diz que ele tem garra e daqui há alguns anos quando tiver mais experiências, será brilhante.

Ele gosta de usar os cabelos que são na altura dos ombros, preso por um rabo de cavalo. Quando ele chegou assim na polícia, os outros colegas caíram na pele dele. Mas provou que seu trabalho era bom e de qualidade e que os seus cabelos longos não atrapalhavam o seu raciocínio. Com isso, passou a ser respeitado por eles e embora fosse muito jovem para a função que tinha, de ser o primeiro assistente na equipe de Teuscher que por sinal é muito exigente quando está à frente de um caso, Kling entrou logo no ritmo. Os outros assistentes diziam que não queriam estar na pele dele, de trabalhar diretamente com o velho Teuscher. Mas para Kling isso não era nada, ele tinha um bom relacionamento com o inspetor e procurava fazer o melhor possível e aprender tudo. Teuscher para ele era um espelho de virtudes.

Às vezes o velho inspetor lhe dizia que era melhor não aprender tudo com ele não, pois nele existiam coisas que não gostava. O jovem Kling sorria. Ele via Teuscher como um pai, que muitas vezes lhe dava uma bronca e raramente lhe elogiava.

Kling trabalhou duro colhendo informações sobre as últimas mortes dos cientistas em toda a Europa.

Ele verificou os últimos cinco anos e descobriu que nos últimos três anos haviam morrido mais cientistas que “pessoas comuns”, estatisticamente falando.

O primeiro caso foi há três anos mais ou menos. A televisão havia feito a cobertura das mortes dos três cientistas que passavam férias em Montblanc, uma montanha francesa. Naquele dia eles saíram num grupo de quatro e não voltaram mais.

Kling conseguiu ir mais além. Ele não se deu por convencido com o que descobriu sobre este caso e resolveu ler os depoimentos que as pessoas prestaram. Elas relataram que naquele dia eles saíram em grupo como sempre faziam, mas somente três corpos foram encontrados. As testemunhas teimavam em afirmar que eram quatro pessoas e não três.

Eles vasculharam toda a área com os especialistas em alpinismo e também com o helicóptero salva vidas que fazia a ronda pelas montanhas, mas o quarto homem nunca foi achado. Depois de um tempo, eles deram as buscas por encerradas e escreveram em seus relatórios que o quarta pessoa deve ter caído em uma fenda profunda demais entre as montanhas e que dificilmente alguém poderia tirá-la de lá.

Mas se não fosse assim? Se essa quarta pessoa fosse o assassino? Kling agora pensava numa possível tentativa de assassinato.

O segundo caso aconteceu um ano depois, só que desta vez entre a Espanha e a Itália e lamentavelmente tanto o cientista quanto toda a sua família morreu num possível acidente quando vinham de férias. O caso não levantou suspeitas porque nesta ocasião chovia muito e a família dirigia o carro entre as montanhas quando houve um deslizamento de terra, e todos morreram soterrados.

-Um ano depois do acidente das montanhas em Montblanc, seria coincidência ou assassinato premeditado?- pensou Kling. - Afinal estava chovendo e nessas regiões é normal o deslizamento de terras. Deve ter sido mesmo uma mera fatalidade, pois com tanta chuva, é claro que acidentes acontecem - concluiu.

Mas mesmo assim, sentiu que deveria ir até o local e verificar pessoalmente as condições da montanha.

É claro que ele sabia que o fator tempo seria o seu grande inimigo para uma verificação real dos fatos, pois o local não teria mais as mesmas características da época. Mas se tivesse um pouquinho de sorte, ele poderia achar alguma coisa. E sorte ele sempre teve e não seria agora que ela o abandonaria.

Kling passou parte da noite reunindo as informações que queria levar para esta viagem.

O dia estava lindo e perfeito para o que ele queria fazer. Ele chegava a 200 quilômetros por hora no carro que havia recebido da polícia para esta viagem. Ele se sentia impulsionado a chegar logo ao seu destino sem saber por que, mas alguma coisa dentro dele lhe dizia que sua viagem até ali não seria em vão.

Kling chegou ao local tarde da noite. Passou pela delegacia, pois alguém o esperava para levá-lo a uma pequena pensão, já que não existiam hotéis naquela cidadezinha.

Na manhã seguinte, ainda bem cedo Kling se apresentou devidamente á delegacia local que mais parecia um posto policial de tão pequena que era.

-Buenos dias, señores! Me llamo Kling, vengo de Alemania e no hablo perfecto español, pero puedo comprender mejor.

Os policiais gostaram de saber que ele podia entender a língua deles melhor do que ele falava, pois eles não poderiam falar alemão de jeito nenhum.

Mas Kling não podia entender tudo, pois o seu espanhol era do tempo de escola.

Kling trazia os papéis que eles haviam enviado via fax.

-Qué desea Usted? – perguntou um dos policiais o que ele desejava?

Kling foi direto. Disse-lhes que desejava ir para a montanha do acidente.

Kling queria ir naquele exato momento para o local do acidente, ele não queria perder tempo. E como ainda era bem cedo, teria muito tempo para vasculhar a montanha e ver se o tempo poderia ser seu amigo e assim encontrar alguma pista. Os policiais não acharam nenhum inconveniente, estavam até gostando de terem algo extra para fazer, pois num povoado como aquele, nada acontecia, normalmente.

Kling tinha razão naquele sentimento de que ele ali iria descobrir alguma coisa. Agora suas suspeitas se confirmavam.

A montanha do jeito que era não poderia ter tido um deslizamento daqueles, a menos que fosse provocado. Mas o quê provocaria um deslizamento daquele peso? Exatamente quando Helmut Klees e toda a sua família passavam? Não, isso não havia sido coincidência e nem por acaso, isso fora premeditado. Pensava Kling enquanto observava a montanha. Como é que nem antes e nem depois, semelhante coisa nunca aconteceu por ali?

Pelo que ele observou toda aquela região tinha recebido um excelente trabalho de proteção. Mas quando? Depois que o acidente aconteceu? Nada disso. Kling ficou sabendo por um dos policiais que o prefeito da cidade havia mandado construir a barreira de proteção, exatamente para evitar os deslizamentos de terra.

Kling quis saber se antes do deslizamento havia alguma outra barreira de proteção, uma mais antiga. Eles responderam que naquela área nunca havia tido uma barreira antes, mas que um dia o prefeito em véspera de reeleição dissera que para maior segurança daqueles que utilizavam a estrada lá em baixo, ele faria uma barreira.

-E com isso ele foi reeleito. - disse um dos policiais.

-E qual foi a atitude do prefeito quando o acidente aconteceu? - perguntou Kling.

-O prefeito mandou chamar a mesma firma que havia construído as barreiras para limpar toda a área novamente e mandou construir tudo de novo, pois ele alegou que tudo ainda estava dentro do prazo do seguro que a firma lhe dera. E assim as barreiras de proteção foram novamente reconstruídas, senhor Kling.

-É, mas os engenheiros da firma reclamaram muito.- disse um outro do policial.

-Reclamaram o quê, por exemplo? – perguntou Kling interessado.

-Que o trabalho que eles fizeram fora muito bom e que eles não entendiam o que tinha acontecido. O meu cunhado que é um desses engenheiros me falou que mesmo que toda a montanha deslizasse, as barreiras que eles construíram ficariam em pé. Mas o prefeito achou que tudo era desculpa deles para ganhar mais dinheiro da prefeitura.

-Sei, e onde posso encontrar esse prefeito?

-Não pode. - respondeu um outro policial.

-Por que não?

-Logo que ele foi reeleito ele sofreu um ataque fulminante do coração e morreu.

-Hummm! E a família do prefeito?

-A esposa dele morreu há dois meses e eles não tinham filhos.

-Entendo. E seria possível eu falar com esse seu cunhado?

-Posso ver se ele tem um tempinho e se ele está na cidade, porque normalmente ele viaja a serviço.

-Mesmo que eu não consiga falar com ele pessoalmente eu gostaria ao menos de falar com ele por telefone.

-Tudo bem.

Kling ainda quis saber se existiam fotos de como era aquela parte da montanha após a construção das barreiras, antes do deslizamento. Eles disseram que sim, que o prefeito fez uma festa para a inauguração, mas que essas fotos eles só poderiam fornecê-las no dia seguinte, pois agora a prefeitura estava fechada. Kling olhou o relógio e mal pôde acreditar que já passavam das cinco da tarde.

Ele se deu por vencido, mas esperaria até o dia seguinte para dar continuidade às suas pesquisas. Kling dirigiu-se com os policiais para o centro do pequeno povoado. Passavam das oito da noite quando o telefone do quarto em que ele estava tocou.

-Buenas noches, Señor Kling! - Cumprimentou a voz ao telefone.

-Quién habla, por favor?

-Soy yo, el policia Pedro.

- Ah! Sin, o señor tiene alguna novidad? - Kling logo o reconheceu.

-Sim, fiz contato com o meu cunhado ele poderá encontrá-lo ainda hoje.

-Isso é ótimo. - respondeu Kling.

-Podemos nos encontrar em trinta minutos? Aí mesmo no bar da pensão.

-Perfeito. Muito obrigado, Pedro.

-Não há de quê, senhor.

Kling estava feliz. Parecia que as coisas estavam tomando um outro rumo. Tentava agora arrumar as perguntas dentro de si. Pegou o seu caderno de anotações assim como o inspetor Teuscher fazia e escreveu algumas perguntas fundamentais que ele não poderia esquecer de fazê-las. Pouco depois ele desceu para o bar, pediu uma cerveja e ficou esperando.

Logo eles chegaram e Pedro fez as apresentações. Para sorte de Kling o engenheiro o cumprimentou em alemão.

-Wie geht es Ihnen?

-Mir geht’s gut.

Terminada as formalidades, Pedro e o engenheiro pediram também uma cerveja.

Kling foi direto ao assunto.

- A firma para quem o senhor trabalha foi a responsável pela obra, não é mesmo?

-Isso mesmo.

- Por favor, tente lembrar-se do que aconteceu nesta época.

-Bem...a firma foi chamada pela prefeitura para fazer a barreira antes que as chuvas chegassem, o prefeito exigiu que fosse feito com a maior segurança possível. Nós providenciamos tudo e fizemos um bom trabalho. O inverno chegou e no finalzinho do inverno choveu torrencialmente. E o que aconteceu todos sabem, a barreira deslizou e matou aquela família.

-Sim, mas Pedro disse que você tem uma outra visão sobre os fatos.

- Sim, é claro! Eu verifiquei pessoalmente o dia a dia dos trabalhadores e vi que o trabalho que eles fizeram foi perfeito e a minha opinião é que mesmo chovendo torrencialmente o deslizamento não poderia ter acontecido de maneira alguma.

-Como assim? - perguntou Kling.

-Deslizamentos podem acontecer, mesmo com barreiras é claro, isso faz parte da vida. Mas nesse caso, não assim. Veja senhor Kling, as paredes foram construídas com ferros entrelaçados.

Dizendo assim ele abriu o cano de papelão que havia trazido e tirou de lá de dentro a planta do local.

-Repare a planta.

Kling não entendia nada de engenharia, mas estava profundamente interessado.

-Uma obra desse tipo não vira pó num deslizamento. - disse o engenheiro.

-Pó? – espantara-se Kling com a revelação.

-Pó, senhor Kling. Todo o montante do deslizamento que caiu em cima daquele carro foi terra pura.

-E o que poderia ter causado então esse deslizamento? - perguntou Kling.

O engenheiro olhou de um lado e de outro e disse em voz bem baixa.

-Somente uma coisa poderia ter feito um estrago desses.

-O quê? Vamos, fale? – já dizia Kling impaciente.

-Explosivos.

-Explosivos?

-E em grande quantidade, senhor Kling.

-E o senhor na época não falou isso para a polícia?

-É claro que falei mas todos disseram que eu queria tirar as responsabilidades de cima de mim, pois fui eu quem assinou a planta.

-E vocês não chamaram um perito no assunto para provar que vocês tinham razão?

-Estamos esperando que o perito apareça até hoje.

-Compreendo. E depois vocês tiveram que reconstruir a barreira novamente. Não foi encontrado nada no local que pudesse comprovar o que você dizia?

-Infelizmente nada. - respondeu o engenheiro.

-Haveria uma outra possibilidade? O senhor realmente não poderia estar enganado?

-Não senhor, se o deslizamento não tivesse sido provocado por explosivos, nós encontraríamos em cima dos carros estacionados e no local em redor, pedras, muitas pedras. Montanha é feita de pedra senhor Kling.

Estavam assim confirmadas as suspeitas de Kling. O deslizamento havia sido provocado. Mas por quem? Por quê? Com certeza por alguém bastante profissional em explosivos.

-Quem???